
Com o objetivo de fortalecer as políticas judiciárias voltadas para os direitos de comunidades tradicionais, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) liderou, nesta sexta-feira (22/8/2025), a criação do Comitê Interinstitucional sobre Povos Tradicionais de Minas Gerais, o JUS-POVOS. A solenidade de instalação do colegiado ocorreu no auditório do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), com a presença de diversas autoridades do Judiciário e representantes dos povos originários.
A iniciativa inédita busca integrar esforços de órgãos federais e estaduais para promover a efetiva proteção dos direitos de povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais que vivem em território mineiro. O TRF6 assume protagonismo ao coordenar a formação do JUS-POVOS, atendendo à Meta 7 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que prevê prioridade na tramitação de processos que envolvem os direitos desses povos.
O presidente do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), desembargador federal Vallisney Oliveira, anunciou a criação do comitê voltado à ampliação do acesso à justiça por povos tradicionais, lembrando da representação histórica deles no Estado mineiro. “Ouvir esses povos é ouvir Minas Gerais”, afirmou o presidente do TRF6 Vallisney Oliveira.
Segundo o presidente, a iniciativa surgiu a partir da competência constitucional do Tribunal em lidar com demandas desses povos e da percepção, durante visitas institucionais, das dificuldades enfrentadas por essas comunidades no acesso a direitos básicos, como os previdenciários. "A ideia veio justamente de verificar a nossa competência constitucional com relação aos povos tradicionais, e, após visitas, como à comunidade Maxakali, percebemos que cada órgão atuava de forma isolada. Por isso, decidimos unir esforços em um comitê que promovesse ações conjuntas", afirmou.

De acordo com o presidente Vallisney Oliveira, o Comitê JUS-POVOS foi estruturado em três vertentes principais. A primeira é o próprio comitê central, composto pelos presidentes de tribunais como o TRF6, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TREMG) e o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), que se reunirão ao menos uma vez por semestre. “A agenda é muito difícil, mas cada conselheiro vai trazer sua pauta e proposição. Dizer: nós temos um problema aqui, temos uma ação numa determinada comunidade. Vamos debater juntos”, afirmou o presidente ao destacar a ampla adesão de instituições judiciais ao projeto.
A proposta é que o comitê atue como uma instância estratégica para reunir informações, discutir soluções e fortalecer o trabalho conjunto entre os tribunais, voltado às necessidades dos povos tradicionais.
As outras duas vertentes, segundo Vallisney, são os grupos temáticos de execução e as visitas presenciais às comunidades. “Criaremos grupos específicos para quilombolas, povos indígenas e outros, com adesão dos tribunais e demais órgãos. Vamos primeiro visitar as comunidades, ouvir, fazer escuta ativa”, explicou o presidente Vallisney Oliveira.

Ele também destacou que, a partir dessas escutas, serão identificadas demandas concretas, sejam judiciais ou extrajudiciais. “Se for trabalho escravo, por exemplo, é com o Tribunal Regional do Trabalho ou Ministério Público do Trabalho; se for aposentadoria, entra o juizado itinerante. Vai depender do que surgir. A ideia é irmos juntos, não só o TRF6, mas todos os órgãos, para buscarmos soluções macro e integradas”, explicou o presidente do TRF6.
Atuação integrada entre órgãos judiciários é pilar da iniciativa
O comitê será composto por representantes do TRF6, Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3), Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TREMG), Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG).
Ele terá como principais atribuições a realização de estudos e pesquisas sobre os povos tradicionais, a facilitação do diálogo entre essas comunidades e o sistema de Justiça, além da formulação de diretrizes e ações concretas para garantir o acesso aos seus direitos. Visitas às comunidades, promoção de debates sobre políticas públicas e mediação de conflitos também fazem parte da agenda do JUS-POVOS.
Dívida histórica do Estado com os povos originários
Durante o evento, o presidente do TCEMG, conselheiro Durval Ângelo, relembrou a recente aprovação de cotas para grupos historicamente marginalizados, nos concursos públicos do órgão, incluindo indígenas, quilombolas e pessoas trans.
O presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), conselheiro Durval Ângelo, ressaltou o caráter inédito do Comitê JUS-POVOS ao unir todo o sistema de justiça em torno da causa dos povos tradicionais. “Um comitê como este, unindo todo o sistema de justiça, é inédito no Brasil. E nós estamos todos juntos nessa iniciativa, motivados pelo presidente do TRF6. Há uma dívida histórica com as comunidades tradicionais e os povos originários, e a justiça precisa ir além de um olhar apenas formal sobre os processos e sentenças”, afirmou.

Para ele, a principal missão do comitê é ajudar na efetivação das políticas públicas, tirando os direitos da teoria e colocando-os em prática.
Durval Ângelo também citou avanços recentes decorrentes da mobilização do comitê, como o diálogo com o secretário estadual de Saúde de Minas Gerais, Fábio Baccheretti. Segundo o conselheiro, o secretário demonstrou interesse em fortalecer a política de saúde indígena e anunciou que há recursos disponíveis para investimentos, especialmente para atender comunidades como a Maxakali. “Uma proposta que nos foi apresentada é transformar o Hospital Regional de Teófilo Otoni, com quase 500 leitos, no primeiro hospital indígena do Sudeste brasileiro. Isso mostra como a articulação já começa a gerar frutos concretos”, afirmou.
Para Durval, a atuação conjunta deve se basear inicialmente no diálogo e sensibilização dos órgãos, mas, se necessário, deve avançar com decisões firmes. “Minha mãe dizia que algumas coisas se fazem por amor — e é preferível assim”, concluiu.
Cacica Ãngohó agradece criação de comissão
A solenidade também contou com a participação da cacica Ãgohó, da Aldeia Pataxó Katurãma, presidente do conselho de caciques da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ela reforçou o vínculo ancestral dos povos originários com o território mineiro e cobrou respeito e reparação. "Essa comissão irá garantir o futuro dos nossos. Das nossas crianças, dos nossos anciãos e também garantir o território, que é o mais importante hoje para nós", frisou a cacica pertencente à aldeia situada em São Joaquim de Bicas (MG).

A cacica informou que, atualmente, o Estado de Minas Gerais conta com mais de 15 povos indígenas. " Estamos aqui na região metropolitana de Belo Horizonte, impactados pelo rompimento da Vale em Brumadinho e outras violações de direitos. Nossos povos, tanto aqui em Minas Gerais, como no Brasil, sofrem com a violação de direitos por território, dignidade, saúde, humanidade", alertou a cacica.
A criação do JUS-POVOS representa um marco no compromisso institucional com a justiça social e o reconhecimento dos direitos de comunidades que, historicamente, têm sido invisibilizadas pelo poder público. A expectativa é de que esse diálogo interinstitucional resulte em ações concretas e transformadoras para os tradicionais povos mineiros.
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